O caminho de Santiago de Compostela de sua vida

O caminho de Santiago de Compostela de sua vida

Por Cristian Cavalheiro

Esta é uma história de dois amigos que com 50 anos decidiram deixar para trás todos os compromissos, problemas, empresas, filhos, contas, tudo. Alguém iria tomar conta disso, pois o objetivo era percorrer a pé 840 km pelo caminho francês até Santiago de Compostela na Espanha. Pela primeira vez na vida, dediquei 100% do tempo para o Cristian. Durante 30 dias, em setembro de 2019, após 2,3 milhões de passos e 240 horas caminhando, alcançamos o objetivo. Mas o que está por trás disto? O que leva mais de 300 mil pessoas por ano a percorrer este símbolo tombado pela Unesco?

Percorrer, em média 30km por dia, com dezenas de subidas e descidas, é um feito que exige preparação. É claro, fazer sua academia, praticar caminhadas de 10km, Pilates… Tudo ajuda na preparação, mas ninguém treina 30 km, 40 km subindo e descendo montanhas durante 30 dias seguidos com 12kg de mochila nas costas. Logo, era um desafio considerável. Há vários propósitos porque se faz o caminho, há os que fazem por autoconhecimento, desafio, saúde, por estar vivendo um drama, uma perda familiar, uma doença grave, separação, uma graça alcançada, uma promessa, um motivo religioso… acho que eu estava fazendo por tudo isso.

Mas não é sobre isso que gostaria de escrever, basta treinar e se consegue chegar lá. O Caminho começa físico, depois vira sentimental e termina espiritual. Nos primeiros 7 dias se descobre dores em cada centímetro do corpo, que vão se acomodando e com alguns cuidados se tornam suportáveis. Depois, as lembranças da família, da sua vida, as decisões tomadas e não tomadas, os conflitos e as memórias mais distantes vêm todas à tona. Por fim, não há como não se sensibilizar após ter entrado em mais de 100 igrejas, após ter visto a solidariedade de pessoas do mundo todo, após sentir o pulsar de milhões de almas que cruzaram aquele caminho há 2 mil anos, após ter passado por 199 cidades – a grande maioria muito pequenas e após ter conversado com mais de uma centena de pessoas de diferentes culturas e línguas, cada uma com o seu drama, com a sua crença.

Conversando com muitos executivos vejo o quanto a mochila que estão carregando está acima da sua capacidade, como a minha acima de 18kg estava no primeiro dia, quase me levou a nocaute após cruzar os Pirineus. Há que se desfazer de alguns itens materiais desnecessários, por exemplo, um carregador que pesa 800 gramas, bem como de compromissos, pessoas ou responsabilidades para que a sua vida fique mais leve. Talvez esse seja um dos maiores ensinamentos do caminho, o desapego.

Dizem os relatos que Santiago, apóstolo que pregou nesta região após a morte de Cristo, foi enterrado ali após ser decapitado e levado por seus discípulos. Santiago está associado a reconquista. E isso tem tudo a ver com o caminho, você está lá em busca de uma reconquista, da sua saúde, da sua energia, do seu amor-próprio. Mas isto não se consegue sem transformação, em algum momento de nossas vidas, se não nos transformamos, não conseguimos conquistar nossas metas. Mas, para isso, precisamos vencer um caminho, muitos tombam no meio do percurso, vou contar pra vocês aqui, como eu fiz para chegar ao fim deste ciclo.

Conheci algumas pessoas que me marcaram muito. Perto 3km de chegar em Logroño, após 32km percorridos, converso com uma peregrina da África do Sul e após nos apresentarmos vem a pergunta clássica: Por que está aqui? Ela prontamente me mostra o dedo da mão esquerda com duas alianças e diz: “Há 9 anos perdi meu marido, ele se suicidou. Nunca mais tive uma vida, estou aqui para cumprir o trajeto e jogar as alianças no mar do Atlântico em Finisterr e começar uma vida nova.” Quantos negócios, produtos, relacionamentos e empresas estão mortos e ainda não enterramos em nossa alma? Vejo empresas apostando em produtos que não irão vingar, vejo pessoas que convivem, mas não se amam mais, vejo funcionários que não gostam do que fazem ou de onde estão, vejo líderes com times que não inspiram. Meu conselho é, vá e se transforme, não tente mudar os outros, mude a si mesmo.

Imagine juntar milhares de destemidos inteligentes, pessoas cultas que conhecem o mundo e falam várias línguas, com ideais, a grande maioria acima dos 40 anos, alguns com grandes problemas, às vezes insolúveis. Este é o caminho, mas e como é a nossa vida? Você tem planejado qual é o seu caminho? Lá existem setas amarelas que indicam onde devemos seguir, na vida não existe setas amarelas. Será? Existem sinais, sons, acontecimentos que estão a todo o tempo a nos abordar.  Vejo muitas pessoas sempre com muitas perguntas. Mas o pensamento sobre a vida pode dar uma guinada. Ali, todos estão em busca de uma resposta, mas elas não aparecem quando queremos, quando pedimos… às vezes aparecem em sutis detalhes, mas se tem que estar com a mente aberta para observar. E para mim vieram de diferentes formas, vendo o sol nascer (estamos acostumados a ver o pôr do sol apenas), sentindo o cheiro das plantações, o som distante dos pássaros, o correr da água em um córrego no meio da floresta. Você já escutou o silêncio? Como está a sua capacidade de escuta?

Sempre que cruzamos por um peregrino, falamos Buen Camino. Outras expressões também são ditas. ULTREYA, é a palavra que os peregrinos usam para expressar a alegria de ter alcançado o objetivo de chegar a Santiago, mas também significa siga em frente, com fé e perseverança, não desista. E SUSEYA, é ainda mais legal, significa para cima, não no sentido literal, mas de busca por Deus e evolução espiritual. Como estão nossas relações profissionais e pessoais? São genuínas? Queremos realmente o bem do colega? O que costumo observar muitas vezes são silos dentro das organizações, culturas de cobranças e “cama de gato” entre áreas, que esquecem muitas vezes qual o propósito do negócio. Chegar em Santiago é parte do caminho, ele irá te perseguir por toda a vida. Uma noite acordei com os cantos gregorianos (entre no Spotify agora e busque aí), feche os olhos e pare por alguns minutos em silêncio. Pronto, você tomou a pílula espiritual para seguir em frente.

Fonte: Arquivo pessoal do autor

O morro do alto do perdão é um dos pontos mais emblemáticos do caminho. Uma caminhada de uns 10km subindo se chega ao cume. Nesta subida conheci um brasileiro que estava pagando uma promessa pelo filho que sobreviveu a dezenas de cirurgias por muitos meses após nascer com uma doença no coração. Não preciso dizer que choramos juntos nesta subida e lá, do alto daquela imensidão terrestre, me elevei aos céus e pedi perdão, sim, sou um pecador, todos somos, alguns não aceitam apenas. Quando você vai pedir perdão? Isso é uma condição para seguir em frente. Em minhas caminhadas empresariais vejo muitos pecadores, pessoas que precisam de alguma forma se libertar de si mesmos, de suas armadilhas.

A vida é uma dádiva que pode ser comparada a uma conta bancária, com créditos e débitos. Agradecer para dar espaço para receber mais, se doar verdadeiramente para ajudar os outros. Fazer algo que não seja por dinheiro. Algo que muito quis e hoje estou podendo realizar de fazer o empreendedorismo social, através do +praTi, na educação com formação de novos programadores onde estamos com 70% da última turma já empregados; através do RecomeçaRS.com.br, ONG que abri após as enchentes e já ajudou mais de 1000 pessoas, mais de 2000 animais e 25 pequenas empresas a recomeçarem sua vida; e com o Instituto Orquestra Theatro São Pedro, onde através da música mudamos o destino de centenas de jovens e espalhamos a arte pelo nosso estado.

Estive acompanhando o planejamento estratégico e kickoff de 2025 de algumas empesas. Tudo começa com um sonho, um propósito. Querer fazer. O propósito engaja, dita o objetivo maior, te faz acreditar que é possível vencer e dá sentido a vida. Um time brigando pelo mesmo propósito, sem vaidades e comemorando cada avanço, faz total a diferença. O planejamento é essencial, é aqui que selecionamos as OKRs, criamos os planos A, B e C. Pensamos em cada detalhe, estudamos, lemos, aprendemos sobre o que vamos enfrentar. A preparação é o treinamento que te faz forte, que experimenta o que irá vivenciar, que alimenta o sonho e onde vai criando a rotina de disciplina e organização fundamentais para o sucesso. Dizem que treinamentos difíceis geram guerras menos difíceis. A resiliência é a capacidade de cair e se levantar, ainda mais forte e determinado a vencer. Não faltarão momentos de incerteza, sofrimento, questionamento, desapego e a sensação de que tudo parece estar perdido. A reflexão é o aprendizado de que tudo passa, de que sempre extraímos algo de bom dos momentos ruins e bons que passamos e, que com um bom coração, um bom propósito e com as pessoas certas, as chances de sucesso de qualquer sonho podem se tornar reais.

Termino aqui com uma reflexão, a mensagem que o padre encerrou a missa do peregrino em Santiago, todos exaustos da chegada, ao canto de Ave Maria, por uma freira à capela: “Vocês vieram de muitos lugares, mas com o mesmo Deus guiando e acompanhando vocês. Aqui termina o Camino de Santiago, mas o Camino de sua Vida continua, levem e espalhem o amor como símbolo máximo de sua peregrinação. Vocês estão carregados em seu espírito com paz e harmonia. O Caminho é uma busca da fé em Deus e no seu propósito”.

Buen Camino


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